24.6.09

SKY AS THE LIMIT

Retomando o meu jogo de computadores e na condição de Prainha, a aventureira, se o nível 1 foi debaixo de água, o nível 2 foi no outro extremo - acima das nuvens.

O que eu não contei foi que quando conheci Tina ela ia a caminho da agência de viagens marcar a subida dela ao topo do Kinabalu. Quando dei por mim, estava a aceitar mais um desafio, subir a montanha, e, sim, essa mesma, a montanha dos 4095m.

No dia do tão afamado jantar descobrimos que Jackie e Charlote iriam fazer a caminhada também e resolvemos juntarmo-nos as 4. O grupo estava super animado... Ia ser uma experiência partilhada por pessoas que viajavam a solo como eu. A partida seria no dia seguinte às 7 da manhã de táxi para a base do parque que ainda se situava a 1h30 de KK.

Tudo preparado, água, lanterna, luvas e gorro, fora capa da chuva e coisas afins para a subida que se seguia. Conhecemos o nosso guia e todas equipadas, até de 'bengala', encaminhávamos para a nova aventura. Hora de partida - 10h30 da manhã, altitude - 1866m.

Não é preciso ser um craque a matemática para perceber que me predispunha a subir nada mais nada menos que 2229m, isto num percurso de 8km. Ora até vos fazia um esqueminha com trigonometria para perceberem os ângulos de declive, mas julgo que será desnecessário. Lembrem-se das curvas da Serra da Estrela para subirmos aqueles metros e metros. Agora imaginem subir da base da Serra até à Torre mas a pé e a pique, eu diria, aproximadamente 27% de declive, para ser mais precisa. Ou aliás, começar a caminhada na Torre em direcção ao céu...

A subida ironicamente começava com uma descida. Um caminho de pedras, uma cascata, uma floresta verdejante e um nevoeiro que lhe dava um ar meio mágico e misteriosa. A partir daí um caminho interminável sempre a subir, os degraus iam aumentando, chegando a atingir os 40cm...
Ao fim dos primeiros 10 minutos e duma centena de degraus senti-me sem fôlego, tive de parar, os músculos das pernas latejavam e a mochila já começava a dar de si nas minhas costas. À frente Jackie ensinava-nos como devíamos subir - em zig zag.

Os 10 minutos deram lugar a 30 minutos e as metas estabeleceram-se, primeira paragem ao km 2, lanche no km 3 e almoço no km 4. O tempo passava, 1 hora, 2 horas... O cenário alterava-se, à medida que íamos subindo a lama dava lugar a pedras e os degraus tornavam-se mais estáveis. A vegetação tornava-se menos densa e a fauna começava a diminuir. Os esquilos teimavam em seguir-nos em busca de comida, porém.

No caminho alguns cruzamentos com outros andarilhos. Já na descida, confirmavam que valia a pena a subida e que não nos íriamos arrepender, mas ficou-me na dúvida se o fariam por piedade ou mesmo de encorajamento...

O meu corpo habituava-se e estabelecia um ritmo próprio, as dores passaram a ser dormentes e os pulmões começaram a expandir. Apesar da brisa e do friozinho que se sentia, eu suava, transpirava, a t-shirt colava-se ao corpo. Bebia água para a perder logo a seguir. Dei comigo a murmurar, praguejar... Queixava-me, suspirava...

De repente, tive de deixar passar um grupo. Homens e mulheres, franzinos, mais pequenos que eu e que subiam quase em corrida. Nas costas transportavam os mais variados e diversos utensílios, desde panelas, lençóis, comida, óleo e garrafas de coca-cola. Muitos deles, equilibravam-se com o peso distribuído pela cabeça. O guia explicava-nos que eram eles que levavam as provisões até às pousadas. Faziam o caminho às vezes 2 vezes por dia, subida e descida (acrescentei na minha mente, por um capricho de turistas, que não têm mais nada que fazer). A partir daí deixei-me de lamentações, era a primeira de lição de vida que o Kinabalu me dava.

De resto foram 5 horas com algumas paragens até chegar ao nosso local de dormida aos 3270m. Sentia-me exausta, a ausência de oxigénio já se ressentia no meu corpo. Vi o meu primeiro pôr-do-sol em terra mas perto das nuvens, apercebi-me que nunca tinha estado a uma altitude tão grande sem ser num avião. 7.30 da noite e despedi-me, deitei-me mas confesso que pouco dormi, talvez a excitação...

2h30 da manhã e alvorada. Equipada de lanterna e luvas e gorro dava então início ao derradeiro percurso, até ao topo do mundo como me prometiam. Tina liderava a caminhada e eu agradeci. Ela ia testando o caminho, as pedras e os degraus e eu seguia-a. A minha lanterna de cabeça dava-me um ar cómico, para não dizer fantasmagórico, mas como diria a colega que ma tinha emprestado: - I know you look stupid and everyone is laughing, but it will come very handy. You´ll see! Tinha razão, handy, indeed. Sem ela não sei como teria feito.

A partir daí foram 3 horas até ao topo. O objectivo era chegar ao nascer-do-sol, e daí a madrugada. Os degraus deram lugar a pequenos riachos, os riachos a ravinas. A minha lanterna dava-me noção apenas ao metro e meio seguinte e não mais. À frente via apenas pontos de luz que correspondiam a uma pessoa que se tinha proposto ao mesmo desafio que eu, estávamos todos no mesmo barco. Agarrada à corda, escalei rochas de granito, mas a montanha começava a revelar os seus picos. Passámos pelo check point e seria o nosso último contacto com a civilização, completamente deslocadas do mundo, duas cabinas telefónicas assumiam-se como estranhos corpos junto à rocha.

Dessas 3 horas lembro-me de algumas partes do percurso, da escalada, da pedra granítica, uma verdadeira rampa em direcção ao céu, dos andarilhos que a percorriam, criando um carreiro tal e qual formigas ou seriam pirilampos? Imagem esta que não esqueço, pontos de luz em direcção ao topo, espiral infinita mas um sinal de esperança. Lembro-me também dos meus pulmões que não me deixavam avançar rapidamente, julgo que a constipação também não. Dei comigo a parar nos útimos 300 m de altitude cada 200 passos. Tentava expandir a minha caixa torácica mas o meu porte franzino contraía-se com a dor.

Perdi a Jackie e a Charlotte à minha frente, a Tina tinha ficado para trás com o guia. Era eu e só eu e o raio da montanha. Respirei fundo e lembrei-me: - Just do it! slogan irónico no local em que me encontrava... À medida que me aproximava do topo, o céu ia clareando, escalei as últimas rochas e o sol nascia. Olhei para trás e os pontos de luz davam lugar a fisionomias. Não sei descrever a sensação que é estar no topo duma montanha rodeada de nuvens. O sol, dum laranja, rosa, parecia fogo. O ar frio fazia-me tremer, tremia de frio, de exaustão, da t-shirt que escorria suor mais uma vez. O topo com a placa indicava-me que estava nada mais nada menos que a 4095.2 m. Sentei-me e tentei absorver o momento. The sky is the limit e eu tinha chegado ao céu.

Lembrei-me do livro 'Touching the Void' recomendado por Will há pouco mais dum ano atrás. Livro este que fala do desafio épico de dois montanhistas e dum acidente que os leva a separar e lutar pela vida. Lembro-me de achar que era loucura alguém subir uma montanha simplesmente porque sim e arriscar a vida também porque sim. E no fundo ali estava eu, porque sim, porque num momento de pânico não quis ficar sozinha e ser deixada para trás. Não sabia porque o tinha feito, lá está, porque sim, mas no entanto sentia-me feliz por o ter feito.

Enquanto eu me perdia em mim, o topo densificava-se em população, imaginem 70 andarilhos a quererem tirar a mesma foto, no mesmo sítio e o cume, cheio de pedras, dava realmente pouco lugar a descanso. Encostei-me a um canto e observei. Não pude deixar de rir quando um turista que vinha a observar nos últimos 2 min chega ao topo e tenta encher os pulmões de ar fresco. A desilusão espalhada na cara: - Smells like someone is smoking!!! No preciso momento Charlotte deleitava-se com um cigarro. - I had to! - sorria-me. Soltei uma gargalhada. 20 minutos tinham passado e o frio obrigava-me a descer.

Tínhamos pela frente a descida, os 27% de declive mas na direcção errada e sem objectivo que não o descer, isto aliada à claridade que nos deixava ver o que tínhamos subido, e realmente foi esta a parte mais difícil do percurso. O cansaço da subida, a lama que nos fazia escorregar pelos degraus, os 2229 m sentidos nos joelhos e articulações. 6 horas de pressão nos calcanhares e para terminar, a agora subida contrariando o esforço nos músculos. Aí as minhas pernas estouravam e eu já deixava de sentir as dores... Adianto-vos já que foram 4 dias de pernas dormentes e isto já com analgésicos, provavelmente o esforço físico mais violento a que predispus o meu corpo.

O corpo pagou por isto, mas digo-vos realmente, todos tinham razão, vale a pena. E não é realmente pela vista exterior, mas por aquilo que descobri como emoção interior; no fundo estar no topo do mundo, é estar dentro de nós...



Chegada ao parque


Fauna local

Pôr-do-sol nas nuvens

Nascer do Sol no Topo do Mundo










Topo do Mundo

20.6.09

THE ISLAND

Se por um lado a minha vida social se intensificava, por outro o corpo pedia-me realmente descanso e para eu parar. Eu cedi, desisti de lutar e deixei-me de levar. Tinha decidido conscientemente que ia relaxar e não fazer nada, coisa que provavelmente muitos de nós sofrem: o não saber fazer nada... Eu assumo-me como exemplo supra-sumo disso, fico inquieta, até chego a pensar que sou realmente hiperactiva mas que nunca ninguém descobriu... Enfim, finalmente ia ter férias, pelo menos uns dias que fossem, para o meu corpo recuperar.

Eu até me considero uma pessoa saudável, mas a intensidade física e emocional dos últimos dias, a virose londrina, o intenso calor faziam-me sentir como uma uma pessoa debilitada. Como diria o António Variações, quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga.

Descobri que estava desidratada e a situação era tão 'grave' que andei a tomar sais para ver se recuperava as forças, já não contando os litros de água que bebia. Isto para não falar dos comprimidos anti-malária, dos da gripe, vitaminas, os da pressão, ao ponto da Tina me chamar Miss Pharmacy. Logo eu que detesto comprimidos e nunca os tomo. Descobri também que para mal dos meus pecados o meu corpo virou britânico, completamente alheio a calores tropicais, e dei por mim tipo crocodilo de boca aberta para perder o calor...
Tudo isto para explicar que foi com bons olhos que aceitei a sugestão de Denisse para irmos a uma das ilhas junto a KK: finalmente praia e descanso. Delphine também nos acompanhou.
KK tem um parque natural de ilhas a 10 minutos do porto. Apanhámos o barco e desembarcámos na ilha. Não só o meu corpo virou britânico como a minha mente também já se debilitou, isto para dizer, que tinha-me esquecido o que é uma ilha (ironicamente também eu vivo numa ilha)...
É verdade que já tínha visto milhares de fotos das ilhas malaias, em tudo muito semelhante às imagens que temos das Maldivas, as palafitas em cima da água, a água azul turquesa e um mundo sub-aquático de cair para o lado. A ilha de SAPI tinha quase tudo tirando as palafitas e a intensa extensão de praia e não fosse a visão citadina de KK e mais parecia a ilha do LOST, a uma escala mais familiar digamos.
Não quero dizer com isto que me senti desiludida, muito pelo contrário, achei que para quem está habituada à costa da caparica isto é sem dúvida uma visão tropical. Atrás da praia, vegetação que se densificava pela colina acima. E verdade seja dita, tirando o pequeno 'restaurante' e algumas comodidades modernas, a ilha revelava-se bastante fidedigna ao que os descobridores terão encontrado 500 anos atrás...
Tive o meu primeiro encontro com os primeiros habitantes da ilha, uns lagartos gigantes - Monitor Lizards - que mais pareciam uns mini-dinossauros, que de tão habituados aos humanos, os seguiam em busca de comida, imaginem isto no meio duma excursão de chineses, e era tudo aos pulinhos e aos gritinhos...
Quer dizer eu talvez tivesse feito o mesmo, mas pelo menos de próximo só mesmo o zoom da minha máquina. Ah, e finalmente DESCOBRI, descobri o que não nos deixou dormir na bela ilha de PHU QUOC, no Vietname. Miss Saigão bem me falava duma espécie de lagarto e felizmente para ela, estava completamente a milhas do que poderia ser tal bicho, porque se não, nem sei o que teria acontecido...
Não só bastava este encontro do terceiro grau com a fauna local como a experiência ainda virou mais interessante com a chegada dum javali selvagem. O javali atraído pela comida da cozinha ao ar livre desceu a colina e também veio em busca de melhor sorte. Eu parecia uma miúda a ver um programa do National Geographic sobre o comportamento animal pela sobrevivência.
O javali, uma cria, mais parecido com o PUMBAA do Rei Leão, assim meio pelado, e como diria o próprio: - They call me Mr. Pig! - fuçangava junto aos lagartos. Os Srs. Lagartos, não muito contentes com a invasão, chicoteavam a cauda no pobre. Meio desorientado tentou a sorte com uma mochila dum turista, quando démos por ele, já ele tentava arrastar o saco, vitorioso, colina acima. Isto deu entretenimento para umas largas horas... Quem disse que a natureza era meio chata?
Mas o meu encontro com a fauna local não se limitava ao mundo terrestre, também arrisquei no mundo aquático, desta vez com a cabeça fora de água, porém. Vi peixinhos agulha, azuis turquesa, peixes palhaço, corais, caranguejos, ouriços, a lista é interminável. Aventurei-me no snorkeling e fui atacada por um cardume de peixes atraídos pelas minhas unhas vermelhas. Isto porque o massagista tinha insistido em me oferecer 2 sample nails no dia anterior. Ora aqui eu pergunto, o que é que eu faço com duas unhas pintadas num pé? Pedi para pintar o resto, resultado, isco de peixinhos.
Não há muito para contar, porque uma ilha é uma ilha, uma porção de terra rodeada de água. Nos 3 dias que se seguiram experimentei outras ilhas, umas mais variadas que outras mas não tão animadas como a de SAPI principalmente no que diz respeito à fauna. Mas a pedido de muitas famílias deixo as imagens falar por si...
Comecei finalmente a sentir-me uma verdadeira aventureira e para comprovar 'tatuadas' no meu corpo as mazelas das aventuras: os ombros a pelar, fruto de horas de caminhada pela cidade; nódoas negras nos braços de segurar na mochila; os joelhos esfolados dos corais; as pernas arranhadas pelos peixes... isto a adicionar ao meu 'estado físico debilitado' e tinham feito de mim uma verdadeira Lara Croft. Quer dizer verdadeira, verdadeira, só com o físico da Angelina Jolie mas a julgar pelo olhar raio X dum atraente canadiano aquando saía da água e quase me senti promovida de Lara a Honey Ryder. Aqui só me faltava mesmo o James Bond...




As ilhas e os locais









16.6.09

MARIA VAI COM AS OUTRAS...

Quando vivemos numa cidade como Londres habituamo-nos a que os nossos dias sejam programados quase até ao minuto. A espontaneidade dá lugar à estrutura e planeamento e não fosse o tempo a cancelar piqueniques julgo que a esta altura já teria a minha agenda definida até ao final do verão.
Isto para explicar que já não bastava isto como a inexperiência destas andanças de viajar sozinha para me exigir um certo planeamento e uma estrutura também, portanto quando o meu primeiro plano foi abortado senti-me um pouco desorientada.
Aqui deparei-me com 2 hipóteses: ou me deixava marear num barco sem norte ou subia ao mastro em busca de terra…
Abri o guia e li sobre um parque natural situado a poucas horas de Kota Kinabalu (KK), uma das montanhas mais altas do sudeste asiático chamada Kinabalu, por sinal tinha dado o nome à cidade onde me situava. Resolvi perguntar na recepção como ia para lá, após uma breve explicação que me garantia que a partir das 4hr não tinha como voltar de transportes, passei por um momento de indecisão.
Neste momento entravam umas raparigas na recepção a quem resolvi perguntar se já tinham ido ao parque e se o recomendavam. Denisse, peruana, mas a viver na Costa Rica, e que por sua vez a trabalhar há 1 ano nas Filipinas, estava em KK por um fim-de-semana. Tina encontrava-se num prolongado stop over entre Nova-Zelândia e Londres e mais tarde seria companheira de outras aventuras. Tinha feito as minhas primeiras amigas de viagem.
Quando dei por mim tinha estabelecido um plano de acção e já tinha o resto dos meus dias organizados. Passámos o dia em KK como se nos conhecessemos há anos. Nesse dia decidi para comigo que ia deixar o meu barco ao sabor do vento, e finalmente relaxei... Confesso, que a massagem de pés e uma água de côco ao pôr-do-sol também ajudaram.
Este era o primeiro passo para a vida social intensa que vivi nos dias seguintes. A partir daí julgo que me tornei como se diria em bem português uma Maria vai com as outras. Falava com tudo e com todos, cheguei quase a ir jantar 2 vezes para acompanhar diferentes grupos de quem me tornei mascote.
Conheci Delphine, uma franco-vietnamita, 40 anos, 5 meses de viagem dos quais 1 mês como tripulação dum veleiro e outros 6 meses ainda em perspectiva. Yilmaz, um turco alemão, com quem senti empatia no primeiro minuto em que falámos e Heidi, com quem viajava, os únicos arquitectos que conheci em todo o Sabbah. Fizémos incursões ao mercado e deleitámo-nos com peixe grelhado e lulas no espeto. Yilmaz que não gostava de peixe rendeu-se completamente.
Nos 3 dias seguintes em que decidi ficar-me por KK tornei-me praticamente da casa, no ‘hostel’ onde fiquei. Betty, a gerente, chegou a arrastar-me para o mercado porque insistia que tinha que tinha de provar uma variedade de banana, a qual iria preparar e cozer para o pequeno-almoço. Nem me deu oportunidade de recusar: - You come with me. At least you'll learn something!!!
À conta das bananas quase pegou fogo à casa porque quis aquecer as bananas no micro-ondas em papel de prata. Ainda vi as chamas e só tive tempo de parar o aparelho. Com este episódio conheci Olivier, das Maurícias e Khalid e Mehdi, marroquinos. Espalhados pelo mundo entre o Canadá, Londres e Paris viajavam também apenas por umas semanas. Por sua vez através deles num jantar super internacional conheci Charlote, a holandesa que arranjava carros antigos, Claire, a bióloga marinha da Austrália e Jackie, uma inglesa que tinha desistido da companheira de viagem e arriscado a solo também. Entre inglês e francês, acabámos num restaurante italiano. 10 pessoas, 4 continentes, mas um jantar memorável...


Pôr-do-sol em KK



Peixe e não peixe




Old friends...

12.6.09

UNDERWATER

No primeiro dia na Malásia senti-me como se estivesse num jogo de computador. Eu, uma personagem que viajava sozinha e como destino o Bornéu Malaio. Infelizmente faltava-me o porte sexy de Lara Croft mas não me deram oportunidade de escolha.

Como desafio uma série de actividades já programadas para ganhar pontos, no meu caso amigos e experiências. Premi START e aí estava no meu nível 1: um curso de mergulho – Open Water Scuba Diving PADI – uma coisa séria que me exigiria um exame no final e 3 dias das minhas férias.

Ao fim dumas poucas horas e de um longo capítulo de teoria aprendi a abrir a botija e atirar-me de costas como mergulhadora profissional. Barbatanas, pesos, colete, respirador, confesso que muita informação duma só vez.

Aprendi a ‘roubar’ O2 ao meu buddy e encontrei o meu primeiro NEMO.

Numa luta constante entre corpo e mente, um tentando demonstrar que era possível respirar debaixo de água, o outro em completa negação, ou seria vice-versa? A mente a dizer que era possível e o corpo debatendo-se contra a anormalidade de tal situação.

Tudo corria aceitavelmente até ao ponto em que comecei a descer e me encontrei a alguns metros de profundidade. 6 m debaixo de água e os meus ouvidos não cediam à pressão. Meia abalada fiz o sinal de alerta ao meu instrutor e pedi para subir. Os meus ouvidos estouravam e a minha cabeça também.

O facto de me encontrar semi-constipada entre muitas outras coisas, não ajudava. Enquanto o meu corpo se debatia com a dor, a cabeça fez-me de repente aperceber onde estava e julgo que entrei em pânico. Olhei para cima, via a luz do dia, mas em redor não estava no meu habitat natural. Tristemente percebi que não sou sereia. Apercebi-me do pânico e tive de me pedir para acalmar e respirar bem fundo. A minha garganta estava extremamente seca do ar comprimido, portanto isso também tornava ainda tudo mais difícil. Apertei o compressor para subir, e só descansei enquanto me encontrei fora de água. Expliquei a situação ao instrutor e ele sugeriu adiar os 2 dias que me faltavam do curso para outra altura. Era a primeira alteração dos meus planos e receei que nao fosse a última. Tinha falhado a minha primeira missão, o meu nível 1.

Finalmente regressei a terra, e deixaram-me à porta da pousada. Subi as escadas e fiz o check-in. Baralharam-se e mudei 2 vezes de quarto. Tomei banho, preparei-me para sair. Mas para onde? Sentei-me no sofá à espera que alguém se decidisse a meter conversa. Desisti… Perguntei na recepção onde podia ir comer algo. Sugeriram-me o mercado, após dar várias voltas, fui a uma barraca, apontei para o arroz e acenei que era aquilo que queria. Esfomeada engoli o prato de arroz e terminei em menos de 3 tempos. Voltei, toda a gente na recepção parecia estar integrada, excepto eu…

Passaram-me pela mente todas as vezes que ouvi – you’re going to be fine! 2 weeks is nothing, etc… pela primeira vez pus a hipótese de que se calhar não estava destinada a suceder…
A acrescentar, descobri uma coisa que não sabia sobre mim: medo de águas profundas. Tudo fazia agora sentido, aqueles minutos de mentalização que levo antes de pôr a cabeça debaixo do chuveiro, ou até mesmo os mergulhos na piscina que requerem horas de preparação mental. Adianto já que não acabei o curso, fisicamente a recuperação não aconteceu, ainda hoje sinto a cabeça dentro dum aquário e mentalmente também julgo que não me sentia preparada. Encontro-me agora entre papeladas de seguros e arriscando a perder o dinheiro. No entanto continuo a achar que é um medo que tenho de superar e um desafio para próximas aventuras, adianto aliás que já sei exactamente onde quero fazer o curso.

Respirei fundo, fechei os olhos e esperei pelo passo seguinte: “true wisdom gives the only possible answer at any given moment, and that night, going to bed was the only possible answer…” [eat, pray, love]

Subindo para o beliche, sabia que ainda apenas tinha começado mas no entanto já me sentia em GAME OVER…

10.6.09

THE BEGINNING


Quando entramos num avião, há sempre um momento de excitação, de ansiedade, por sabermos que do outro lado uma outra realidade nos espera, seja ela de que natureza fôr. Desta vez foi diferente, senti-me ansiosa, sim, não por entusiasmo, mas por receio.

Há algo que preciso de esclarecer, por estranho que pareça, nunca fiz uma viagem de longa duração sozinha. Sempre tive o privilégio de viajar com gente ou ir ao encontro de alguém. E se viajar sozinha, principalmente como mulher, hoje em dia, não seja propriamente 'such a big deal' para as culturas norte-europeias, toda a gente o faz, eu faço parte daquela percentagem de pessoas que sempre achou que o viajar a solo era um acto de rebeldia e de solitude. Como nunca fui Lucky Luke - the lone ranger - nunca tive interesse nenhum na experiência solitária, muito pelo contrário. Mais importante ainda, se havia coisas que receava e que tinha como piores pesadelos, viajar sozinha era uma delas.

É verdade que já me mudei de malas e bagagens para sítios como Londres, Bélgica e Barcelona, sem conhecer praticamente ninguém, o que para muitos será muito mais assustador (ou não) que o simples facto de viajar a solo. Mas quando nos mudamos para outra realidade, sabemos que nos vai ser dado tempo suficiente para nos adaptarmos a esse novo estilo de vida. Não nos é exigido que ao fim dos primeiros dias estejamos com um sorriso e um à vontade como peixe dentro de água, porque tudo leva tempo. Quando se faz uma viagem de 2 semanas, sabemos à partida que não temos esse tempo de adaptação. Tudo é vivido muito mais intensamente não só fisicamente como emocionalmente.

Entrei no avião e engoli seco, não havia volta a dar. Tinha um plano de acção, num acto de solidariedade, uma amiga tinha-me organizado a minha viagem e eu aceite o desafio que me tinha proposto. Sabia para onde ia e o que iria fazer e se caso corresse mal, haveria sempre a possibilidade de me isolar completamente deste mundo e embrenhar-me na quantidade de livros que tinha levado, por sorte, algures numa ilha paradisíaca...

Após umas trocas de palavras com os vizinhos do lado, malaios e de regresso a casa, perguntava-me Joe: - Where is your friend? Acenei que não, ia sozinha. Joe abriu os olhos: - You? Very brave girl!

Sorri timidamente e recostei-me na cadeira, felizmente tinha uma quantidade de filmes disponíveis para ver. Optei pelos menos pesados, aqueles que nos deixam num estado de descompressão do disco rígido.

Quando dei por mim, as lágrimas escorriam-me pela cara. Não que seja muito de chorar, mas fi-lo por mim, pelas vezes em que quis chorar e não consegui, chorei por desilusões passadas, por momentos de alegria, de ansiedade, de receio, chorei e continuei a chorar, revi memórias, momentos, chorei e chorei até não poder mais... Acabei por adormecer, julgo que de exaustão.

13 horas depois desembarcava do outro lado do mundo... sentia-me vazia, mais leve e parecia que tinha sobrevivido ao primeiro passo da aventura...

9.6.09

EMERGENCY PLAN

- Não sei porquê, mas algo me diz que ainda nos vamos cruzar nesta minha viagem pela Ásia! – disse-me ele.
Não sei porquê mas também eu sentia o mesmo. Claro que não teria o mesmo impacto que a viagem de 9 meses que planeava mas ia acompanhar um viajante durante um bocadinho dessa temporada, entregar-me ao acaso, e simplesmente deixar-me ir. E isso seria o mote da viagem, uma liberdade poucas vezes sentida, e se bem que temporária, como se se tratasse duma pequena amostra do que poderia vir a ser uma grande viagem e eu uma viajante por opção.
Depois de alguns meses a planear e a tentar coordenar uma vida citadina, profissional e pessoal, eis que o timing parecia finalmente ter chegado. Ainda tinha 2 semanas de férias para tirar até ao final de Junho e dei por mim a marcar a viagem para o final de Maio. O destino? Saberia 1 semana antes, mas teria de decidir entre Kuala Lumpur, Singapura e Bangkok como ponto de partida para o que viesse. Por exclusão de partes decidi-me pela Malásia, destino completamente novo para mim. Mais próximo da viagem, iria finalmente saber o local da aventura, mais uma vez jogada ao imprevisível, tal e qual roleta russa.
Faltavam 2 semanas quando recebo o email… Li e reli várias vezes para ter a certeza que tinha compreendido. Por obra do imprevisível mais uma vez, os meus planos tinham sofrido alterações. Contava-me por razões pessoais, que teria de encurtar a viagem e possivelmente quando eu chegasse já não estaria por lá. Desfazia-se em desculpas e pedia-me para lhe ligar…
Passado o choque inicial da eventualidade de ter de cancelar a viagem, convenci-me que iria reconsiderar, não fazia muito sentido, e esperei para que o fuso horário me permitisse telefonar-lhe. No momento em que me atendeu, senti logo que nada que eu dissesse o faria mudar de ideias, estava absolutamente determinado a regressar, voltou a repetir e desculpar-se. Por momentos entrei em estado de choque, foi um ver a vida a andar para trás.


Comecei a rever todas as hipóteses e alternativas possíveis:
- plano A: cancelar e adiar a viagem para outra altura,
- plano B: arranjar uma companhia de última hora
- plano C: simplesmente perder a viagem.


Se hoje vos escrevo sobre a viagem é óbvio que acabei por a fazer. Adianto apenas que nesta lista faltou-me unicamente o plano de emergência: embarcar sozinha.
Perante a possibilidade de perder completamente a viagem, sem direito a reembolso e mais importante as férias e sem poder pôr em práctica A,B e C, aceitei o desafio… entusiasmada, porém, como uma rainha a caminho da guilhotina…

7.6.09

NOT A HOLIDAY BUT A JOURNEY

15 horas de vôo, 5 filmes, táxis, metros, 4 refeições e 3 máquinas de lavar depois, sento-me finalmente ao computador. De volta a ‘casa’, nunca me senti tão perdida no meu próprio quarto, não sei se das longas horas de vôo, se do jet lag, se de tudo o que vivi nas últimas 2 semanas. 17 dias mais precisamente, dias que pareceram semanas, até meses.
Os meus olhos ardem, vermelhos de inchaço, desculpo no ar seco do avião. Mas… minto-vos!
No fundo a viagem terminou da mesma forma que começou: com lágrimas catárquicas a correr-me pela face. Lágrimas estas, a bonança da tempestade emocional destas últimas semanas.
17 dias depois e sinto-me diferente, talvez uma melhor pessoa, ou talvez não, a julgar pela total independência a que me acostumei nestes últimos dias. Nao querendo criar-vos grandes expectativas do que foi esta experiência, por unanimidade foram consideradas apenas umas férias e não uma viagem.
Para mim a história é outra, uma viagem não tem a ver com uma definição directa de tempo e espacial mas segundo Pascal Mercier numa viagem “ we leave something of ourselves when we leave a place, we stay there, even though we go away”. E para isso não interessa se o destino é no outro lado do mundo, ou se apenas uns kms de distância, ou se são meses ou apenas dias ou mesmo horas.
Nem sei por onde começar, foi sem dúvida uma viagem importante para mim, talvez das mais memoráveis da minha vida até agora por todas as razões, mas para já só precisam de saber que estive na Malásia e sinto-me uma sobrevivente, mais emocional que fisicamente, verdade seja dita. No fundo desafiei-me, estendi os meus limites a todos os níveis e voltei… mas com vontade de ficar…
Chego a conclusão que também eu deixei parte de mim neste bocadinho da Ásia, e isso, meus caros, parece que define uma viagem…