3.10.08

PATAGÓNIA EXPRESS

Algures entre o Chile e a Argentina, mais precisamente entre Puerto Natales e El Calafate.
O dia? 26 de Abril de 2008

Luís Sepúlveda escreveu sobre as viagens que foi fazendo pela Patagónia e as diversas personagens que cruzaram o seu caminho. Pequenos encontros, pequenas histórias, que nao precisam de enredo específico nem cenário digno dum filme holliwoodesco, PATAGONIA EXPRESS se chama.
Fechei o livro e sorri…
Sentei-me na camioneta longe dos meus companheiros com o intuito de dormir para recuperar as horas de sono perdidas pelo madrugar. Cabeça encostada à janela, senti os meus olhos a fechar quando alguém me interrompeu: - Excuse me! Can I sit here? Meia estremunhada, disse que sim. A cara: familiar, julgo que do restaurante do dia anterior.
Voltei a fechar os olhos: - Can I check something on your Lonely Planet? Claro, sim, toma. - Hey guys, look at this! com tanta algazarra, logo percebi que dormir seria impossível, pelo menos nas primeiras horas de viagem de regresso à Argentina. À semelhança de Sepúlveda, também eu tenho personagens patagónicas e esta é mais uma das minhas pequenas histórias.
Chamava-se Will or William. Irónico o nome de Will, dado que em inglês também pode significar determinação. Apresentou-se, tinha acabado de fazer o ‘W’ onde ratazanas tinham comido e roído metade das provisões – nao seria a primeira nem a última vez que ouviríamos falar de tais animais – ia a caminho de Santiago do Chile para se encontrar com um amigo. – My other friends? Steve & Phil. We just met 3 weeks ago and we decided to do the ‘W’ together. Continuou. Have to say, it was becoming a too much of a male trip. Too many dirty jokes and stinky boys! Sorriu timidamente. – It smells nice! Sorri, referia-se ao meu cabelo molhado – também já não é o primeiro que me diz que cheiro a flores.

Viajava desde Janeiro, portanto até Abril façam as contas. Tinha começado na Australia, depois Nova Zelândia. – I am starting university in september, took a year off. I’m 19. you? Are you in your year out? Se eu já os tinha, devo ter perdido os tais 10 anos de vida perante tal pergunta.
Não, já acabei. Estudei arquitectura, respondi. – Hey Phil! P. here did architecture. Phil abriu os olhos: - Really? Part 1? Tive de lhes explicar que não só tinha part 1, como parte 2 e 3. – By the time you finish Phil you’ll be almost 30. Ri-me, quase, pensei.
Foram 5 horas de conversa em que a diferença de idade nao se fez sentir. – I want to be a geographer! - Well, you seem to be on the right track. Travelling is the best way to learn it!, disse-lhe eu. Contou-me como tudo começou, a sua paixão por viajar, conhecer outras culturas. Um Verão, ainda novo, uns meros 17 anos, resolveu ir fazer um programa de voluntariado para o Quénia. A missão: ensinar inglês a crianças.

- I hated the first 5 days! Suddenly I saw these kids really enthusiastic about english and I just felt stupid. They had nothing, I used to go and get water with them 20 miles away. And they just wanted to learn english, so they could follow soccer. After that the best 3 months of my life. Estremeci. Não é todos os dias - se bem que nesta viagem, aconteceu algumas vezes - que nos deparamos com alguém mais novo a dar-nos uma lição de vida, ou pelo menos lembrarmo-nos de outras possibildades. Os olhos, azuis cor de mar profundo, brilhavam... Aquele brilho viu-o algumas vezes em olhos que também um dia deixaram África... olhos de família, olhos de mãe, olhos de alguém que um dia se perdeu por aquele continente. - Africa is... Africa is amazing... Engoli em seco, virei a cara para a janela, deixei-me perder uns segundos para me conter da emoção... a verdade é que África profunda também me corre pelas veias... o cheiro a terra molhada... sons surdos de terra mãe... há qualquer coisa em África que nos faz brilhar os olhos...
Parámos no caminho. Comprei-lhe uma garrafa de água, não conseguia trocar os pesos chilenos. - I can pay you in Chilean pesos. - Don't worry, Will! Water sometimes is nothing and all at the same time. To pay me? You just keep on travelling!
Com um olhar sorridente, acenou-me e continuou...

1 Comments:

Blogger Mar said...

... sim, África tem um apelo misterioso, apesar de não me correr no sangue directamente. E as lições de vida, essas são contínuas, e ainda bem, para sabermos que não é estático e que os caminhos são muitos!Muitas saudades

19:25  

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