20.5.09

THE END OF AN ERA











Sinto que fui injusta para com os meus companheiros de viagem. Devido à minha falta de disciplina não terminei a aventura, acabando por encurtar esta novela sul americana. Ficou ainda por mencionar uma viagem ao Uruguai, a Colónia do Sacramento, antiga colónia portuguesa. Daqui ficam memórias duma tranquilidade e dum silêncio embalador que me fizeram adormercer na relva em cima dum formigueiro. E a seguir, tamanha comichão provocada pelas vítimas da invasão que me fizeram acordar da paz dos anjos.
Ainda no Uruguai, a passagem por Montevideo, capital que nos fez andar 50 anos para trás… Nesta cidade lembro-me tambem dum miúdo de rua, 12 anos talvez, o louro mais farrusco que alguma vez vi, uns olhos azuis perturbadores e um sorriso malandro. Depois de tanta insistência para lhe dar ‘unas monedas’ sugeri-lhe comida como alternativa. Os olhos brilharam e disse: - Hamburguesa!!!! Queria que o seguisse para me levar ao hamburguer maior de Montevideo. Enquanto me explicava as voltas e reviravoltas para chegar a tal sítio, finquei pé e disse-lhe que não. Entrámos no café, toda a gente nos olhou de soslaio dada a estranheza da situação e disse-lhe para escolher o que quisesse. Olhou, olhou e olhou para a montra para pousar os olhos na sandes maior que pôde encontrar. Fiz o meu ar de durona e paguei. Ele agradeceu e saiu. Não pude deixar de sorrir e confesso que quase chorei. Emociono-me quando vejo alguém com fome a comer, é o meu coração de manteiga, isso e cães abandonados… Choro que nem uma madalena quando vejo anúncios televisivos deste tipo, nem queiram saber… enfim…
Também deixei de mencionar uma série de personagens que contribuíram para o sucesso e as grandes memórias dessa aventura. Personagens estas que dão pelo nome de Paulão (O grande anfitreão), Só e Pedrão (qualquer semelhança com personagens do Zé Carioca é pura coincidência), isto para não falar nas já mencionadas Billy (A grande anfitreã), Té e claro Felipão, o ‘nosso’ homem da Patagónia que nos aturou e sobreviveu a tal sofrimento durante 2 intensas semanas.
A eles todos um grande obrigada e claro está ficam as memórias dos grandes almoços e jantares bueno airenses. Ainda hoje salivo com o Osaka, um fusion peru-nipónico, dum ceviche que ainda hoje me vem o sabor a maracujá à boca, que felizmente teve direito a bis. Ou então com uma tira de carne que faria corar os vegetarianos… mhhhhhh.
Dou por terminada finalmente esta saga, não me ouvirão falar da América do Sul por uns tempos, pelo menos… nos entretantos, outras paragens me aguardam e, claro está, muitas outras histórias.
Até lá divirtam-se…

6.5.09

PATAGÓNIA 2008

Faz um ano a minha viagem épica pela Patagónia. Para muitos dos assíduos leitores tinha prometido o relatório completo das 3 semanas passadas na América do Sul. Por razões alheias ao meu controlo, o tempo foi passando e não terminei a minha aventura. No entanto estive a pensar e por ocasião do 1º ano de tal expedição espero finalmente fazer o resumo dos últimos episódios argentinos.
Alguns lembrar-se-ão que terminei em Calafate onde eu e os meus companheiros de viagem tivemos a felicidade de conhecer Saad ou El Compas, o marroquino-espanhol que se revelou fonte de entretenimento para muitos dos dias que se seguiram.
Ainda em Calafate ficou por dizer que no Parque Natural dos Glaciares vi um iceberg a desintegrar-se enquanto estava em pleno cruzeiro. O bloco de gelo que saiu da água e a cor azul penetrante é momento que dificilmente esquecerei na minha vida, assim como o silêncio que se seguiu depois, de respeito às forças da natureza. Outro momento que ficou por contar foi o nosso trekking no gelo. De ‘grampones’ nos pés, escalámos e caminhámos sob o glaciar, um respeitoso gelo de 300 anos. Recomendo vivamente as 4hrs de caminhada, 1.5 hr não é suficiente, pois quando já se habituaram aos picos, ja vos estão a tirar dos pés. E o gelo é azul e não branco, poderia estender-me aqui em explicações cientificas de refracção da luz e das componentes do espectro solar, mas poupo-vos a isso. E ver para crer.
De Calafate rumámos para El Chálten para 2 dias de trekking. El Chálten aclama-se como o ‘pueblo’ mais recente da argentina, com apenas 20 anos de existência. ‘Pueblo’ seria um nome dúbio para tal aglomerado de casas, parece mais um destino de faroeste e por momentos juro que ouvi o relinchar de cavalos e as esporas do Xerife. Aqui viríamos a encontrar outra vez Yoni, Izi e Saad.
De Yoni e Izi lembro-me especialmente da expressão de terror às 9.30 da noite, quando os encontrei no regresso duma caminhada. Terror porque metade do caminho tinham feito às escuras, sem lanterna, sem saber bem o caminho de regresso. A acrescentar, a todo o barulho e ranger de natureza, contava o Yoni, que se tinha agarrado ao Izi… acrescento ainda que o Yoni tem quase 1,90 m d altura e o Izi menos palmo e meio.
Não pude deixar de rir, principalmente porque aquando regressávamos da caminhada já em pleno pôr-do-sol encontrámo-los ainda a caminho da pequena lagoa dos glaciares. Estimámos que estariam com ½ hr de atraso relativamente a nós. Chegaram 3 hrs depois.
Porquê? - perguntei-lhes. Entreolharam-se, baixaram os olhos e confessaram: - Estivémos a tirar fotografias!
Eu já tinha visto as fotos deles, e se não soubesse que eram israelitas, arriscaria a dizer que eram descendentes de japoneses.
Mas isto era apenas o começo duma epopeia prainhesca. Embarquei na mais longa viagem da história da minha vida. Por ingenuidade não marcamos a nossa viagem de regresso a Buenos Aires e depois dos meus companheiros de viagem comprarem a viagem eis que chegou a minha vez. Quando fui marcar não havia viagem de regresso, o que significou voltar de Calafate a Buenos Aires de autocarro. Para quem não sabe nada da geografia argentina isto não vos diz nada, mas se vos disser que levei 44 horas a chegar ao meu destino final isto talvez clarifique a imensidão de tal viagem.
A sensação de começar uma viagem que sabemos que só acabará daí a 2 dias, é indescritível. Lembro-me de me tornar automática, e estabelecer objectivos mentais. 8h de dormida, refeição a refeição, paragem a paragem (2hr em 2hr), filme a filme (foram 5 filmes na viagem toda), deserto, mar, deserto, mar. O corpo entrou em estado de hibernação, perdi o apetite, sede também não tinha muita, e senti-me num estado letárgico dificil de explicar. A paisagem lá fora, monótona, embalou-me neste estado de transe. Por companheiros apenas um casal de australianos com o mesmo problema que eu, um avião por apanhar uns dias mais tardes. No resto da camioneta poucos argentinos, alias ‘gauchos’ que iam trocando de quando em quando, de paragem a paragem, desconfio que nenhum tenha feito a viagem inteira…
Ainda comecei a ler ‘In Patagonia’ de Bruce Chatwin, livro escrito em 1977 mas não terminei. Olhando pela janela estava perante a paisagem que Bruce descrevia 30 anos atrás, deserto, vegetação rasteira e de 6 em 6 hrs um ‘pueblo’, que mais parecia uma favela, pela falta de urbanismo e organização. Paisagem triste e melancólica… perfeita para a introspecção.
Dessas 44 horas tenho apenas vívida memória das últimas 3 hrs, quando vi uma placa a dizer BUENOS AIRES - 280 kms. O meu coração palpitou mais rápido, mas a capital do tango nunca mais chegava. Nao me esqueço da sensação de desapontamento quando anunciaram uma paragem de BUENOS AIRES, para mais tarde me dizerem que afinal ainda não era a minha, isto eram apenas os subúrbios de BA’s. Senti o cansaço e a desilusão nos meus ombros e essa meia hora foi a mais difícil da viagem. Cheguei finalmente e senti-me tal e qual pássaro fora da gaiola. Ainda fiz a festa até às tantas, para surpresa dos meus anfitreães e companheiros.
Em Buenos Aires e depois mais tarde no Uruguai por mais uma semana seguiram-se dias de ‘fiesta’, amigos, comida deliciosa, tango e muitos… pulos…