[NIGHT] TRAIN TO LISBON
Às vezes acho ridículo o esforço mental e físico que pomos em certos acontecimentos da nossa vida que depois se resumem a 30 minutos da nossa existência. Consumimo-nos durante dias e dias, horas e horas, arrastamos as pessoas de que gostamos para elas, sentimo-nos em ebulição, turbulência e depois, 30 minutos depois, passou e com isso tudo o que foi investido. Dum momento para o outro fazemos tábua rasa desse investimento e achamos que até foi fácil esquecendo os outros milhares de minutos de preparação.
Foi assim que foi, de repente ali estava eu: as palavras eram minhas, a língua nao era a minha, a apresentação era minha porém. A audiência foi minha por 30 minutos, 150 pares de olhos escutavam-me atentamente e lembro-me de distinguir certas caras e focar em diferentes partes da sala. No momento seguinte tinha terminado e já só me lembro de estar sentada a escutar outra apresentação. Parei 2 segundos e pensei, também estive ali. Senti de repente um enorme cansaço, mal dava para aguentar os olhos abertos e mais uns momentos lembro-me de estar de regresso no comboio rumo a Hamburgo.
O título deste post roubei-o a um livro que acabei de ler. Escusado será dizer que o comprei por isso. Curiosidade julgo eu, a sinopse referia a história dum académico suíço alemão em Lisboa. Em busca do autor português dum livro comprado em Berna, ele vai divagando e deambulando pela cidade, pela minha cidade, que também é de muitos outros. Foi a minha companhia para os dias passados em terras germânicas e especialmente apropriado para as viagens de comboio. Como companhia também tive uma colega de trabalho, mas daquelas pessoas das quais não sabemos muito, ficamos a saber um pouco mais, mas não ainda o suficiente para sentirmos que temos algo em comum. Aliás hoje acrescentaria que percebemos que por mais tempo que passemos juntas mais diferenças encontraremos e menos coisas em comum.
Saímos do primeiro comboio para trocar quando resolvemos perguntar à chefe de estação qual era a plataforma para Hamburgo. O perguntar foi relativo, limitámo-nos a dizer Hamburg. A senhora repetiu Hamburg e apontou de volta para o mesmo comboio. Meio atarantadas voltámos a perguntar. A senhora voltou a repetir e desta vez com um olhar fulminante que eu senti que se não desátassemos prontamente a correr para o comboio bater-nos-ia com o sinal. Corrida rápida, o condutor esperou por nós e voltámo-nos a sentar.
Abri o livro e resolvi relaxar, envolvida nestas palavras que passo a transcrever:
‘AMPLIDÃO INTERIOR: we live here and now, everything before and in other places is past, mostly forgotten and accessible as a small reminiscent in disordered slivers of memory that light up in rhapsody contingency and die out again. This is how we are used to think about ourselves, and this is the natural way of thinking when it is others that we look at: they really do stand before us here and now, no other place and no other time. How should their relationship to the past be thought or if not in the fore of internal episodes of memory whose exclusive reality is in the present of their happening?
(…) and not only in time are we expanded, in space, too, we stretch out far over what is visible. We leave something of ourselves behind when we leave a place; we stay there, even though we go away. And there are things in us that we can find again only by going back there… What matters is to move surely and calmly, with the appropriate humour and melancholy in the temporally and spatially expanded internal landscape that we are.
Why do we feel sorry for people who can’t travel? Because, unable to expand externally, they are not able to expand internally either, they can’t multiply and so they are deprived of the possibility of undertaking excursions in themselves and discovering who and what else they could have become…’
Fui interrompida, o revisor examinava os nossos bilhetes e demonstrava um ar procupado. Falava e eu tentava apanhar as legendas. Tudo o que ouvi foi Berlim... pois sim, íamos a caminho de Berlim no caminho contrário a Hamburgo e já com 1h 30m de caminho no sentido inverso. Tentámos explicar o que nos tinham dito na estação, mas ele encolheu os ombros e limitou-nos a escrever o horário e estação onde mudar e o preço adicional que teríamos de pagar no comboio seguinte. Desanimadas mas rendidas ao inesperado saímos da estação para descobrir que o comboio que nos levaria ao destino final estava 45 minutos atrasados. Voltámos a esperar, voltámo-nos a render. O comboio finalmente surgiu no horizonte e eu subi e sentei-me. O som da locomotiva fez soar de novo as palavras que tinha lido... e por um momento fechei os olhos e desejei do fundo que o comboio fosse não para Hamburgo mas para Lisboa...
‘… life is not what we live; it is what we imagine we are living…’ [Pascal Mercier].
Foi assim que foi, de repente ali estava eu: as palavras eram minhas, a língua nao era a minha, a apresentação era minha porém. A audiência foi minha por 30 minutos, 150 pares de olhos escutavam-me atentamente e lembro-me de distinguir certas caras e focar em diferentes partes da sala. No momento seguinte tinha terminado e já só me lembro de estar sentada a escutar outra apresentação. Parei 2 segundos e pensei, também estive ali. Senti de repente um enorme cansaço, mal dava para aguentar os olhos abertos e mais uns momentos lembro-me de estar de regresso no comboio rumo a Hamburgo.
O título deste post roubei-o a um livro que acabei de ler. Escusado será dizer que o comprei por isso. Curiosidade julgo eu, a sinopse referia a história dum académico suíço alemão em Lisboa. Em busca do autor português dum livro comprado em Berna, ele vai divagando e deambulando pela cidade, pela minha cidade, que também é de muitos outros. Foi a minha companhia para os dias passados em terras germânicas e especialmente apropriado para as viagens de comboio. Como companhia também tive uma colega de trabalho, mas daquelas pessoas das quais não sabemos muito, ficamos a saber um pouco mais, mas não ainda o suficiente para sentirmos que temos algo em comum. Aliás hoje acrescentaria que percebemos que por mais tempo que passemos juntas mais diferenças encontraremos e menos coisas em comum.
Saímos do primeiro comboio para trocar quando resolvemos perguntar à chefe de estação qual era a plataforma para Hamburgo. O perguntar foi relativo, limitámo-nos a dizer Hamburg. A senhora repetiu Hamburg e apontou de volta para o mesmo comboio. Meio atarantadas voltámos a perguntar. A senhora voltou a repetir e desta vez com um olhar fulminante que eu senti que se não desátassemos prontamente a correr para o comboio bater-nos-ia com o sinal. Corrida rápida, o condutor esperou por nós e voltámo-nos a sentar.
Abri o livro e resolvi relaxar, envolvida nestas palavras que passo a transcrever:
‘AMPLIDÃO INTERIOR: we live here and now, everything before and in other places is past, mostly forgotten and accessible as a small reminiscent in disordered slivers of memory that light up in rhapsody contingency and die out again. This is how we are used to think about ourselves, and this is the natural way of thinking when it is others that we look at: they really do stand before us here and now, no other place and no other time. How should their relationship to the past be thought or if not in the fore of internal episodes of memory whose exclusive reality is in the present of their happening?
(…) and not only in time are we expanded, in space, too, we stretch out far over what is visible. We leave something of ourselves behind when we leave a place; we stay there, even though we go away. And there are things in us that we can find again only by going back there… What matters is to move surely and calmly, with the appropriate humour and melancholy in the temporally and spatially expanded internal landscape that we are.
Why do we feel sorry for people who can’t travel? Because, unable to expand externally, they are not able to expand internally either, they can’t multiply and so they are deprived of the possibility of undertaking excursions in themselves and discovering who and what else they could have become…’
Fui interrompida, o revisor examinava os nossos bilhetes e demonstrava um ar procupado. Falava e eu tentava apanhar as legendas. Tudo o que ouvi foi Berlim... pois sim, íamos a caminho de Berlim no caminho contrário a Hamburgo e já com 1h 30m de caminho no sentido inverso. Tentámos explicar o que nos tinham dito na estação, mas ele encolheu os ombros e limitou-nos a escrever o horário e estação onde mudar e o preço adicional que teríamos de pagar no comboio seguinte. Desanimadas mas rendidas ao inesperado saímos da estação para descobrir que o comboio que nos levaria ao destino final estava 45 minutos atrasados. Voltámos a esperar, voltámo-nos a render. O comboio finalmente surgiu no horizonte e eu subi e sentei-me. O som da locomotiva fez soar de novo as palavras que tinha lido... e por um momento fechei os olhos e desejei do fundo que o comboio fosse não para Hamburgo mas para Lisboa...
‘… life is not what we live; it is what we imagine we are living…’ [Pascal Mercier].
1 Comments:
Acho que entre as saudades que sinto e o "ser estrangeira" que sinto não me podia ter identificado mais com as tuas palavras.
Post lindo, como sempre.
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