Tempo de balanço é sempre tempo de reflexão. E não que ande propriamente a queimar neurónios nestas questões mas por graça tenho andado a pensar nas diferenças entre Lisboa e Londres. Um ano depois, e sem propriamente grandes histórias para contar, talvez seja síndrome de emigrante, em que sempre comparamos a nossa terra natal ao lá fora, tenho feito este exercício mais para mim mesma mas que decido agora partilhar convosco. Ora, não quero com isto ser paternalista e dizer que o lá fora é que é bom, acho que falo mesmo de questões culturais que por serem culturais não são boas nem más, são apenas assim, estamos entendidos? Confesso que das primeiras coisas que me vêm à memória é a forma como vivemos o tempo. Não é esse que estão a pensar, não é do sol e da chuva que estou a falar, utilizando estrangeirismos não é de 'weather' porque desse falarei noutra altura, mas de 'time'. E acho que é aí que os portugueses se baralham, tempo é sol, e tempo é relógio, e tempo volta a ser chuva e tempo passa na ampulheta... Mas sim, falo mais precisamente da nossa relação cultural com o tempo, nomeadamente da pontualidade. Agora imagino alguns a sorrir, porque se para uns eu era considerada a não pontual para outros fui sempre a pontual, saí de Portugal a viver nesta dualidade e chego a Portugal a viver ainda em dualidade maior. É que a pontualidade britânica entranhou-me e esta noção de tempo também.
Em Londres sabíamos por regra geral que demorávamos em média 45 minutos por percurso, quer fôssemos ao virar da esquina que em termos Londrinos, é como ir do Campo Grande à Baixa ou atravessar a cidade de Notting Hill a Tower Hill, ou seja de Belém à Expo. Depois havia destinos mais complexos, aí aplicávamos uma fórmula complicada e adicionávamos toda uma série de variantes e os números oscilavam entre os 54' e 37'' e os 85' 34''. Nestes casos já havia algumas tácticas, os pontos de encontro eram sempre em locais de interesse, vulgo lojas, comidas, bebidas ou até mesmo espaços culturais, sítios onde podíamos sempre entrar para escapar da chuva ou do sol e entreter o olhar... Acho que foi assim que aprendi a treinar o meu olho para rentabilizar o tempo, não que estivesse muito tempo à espera de alguém, mas dei por mim a chegar sempre com algum tempo de avanço.
Aliás a pontualidade britânica é mesmo isso, é chegarmos sempre antes de tempo, e depois fazer horas porque também não fica de bom termo chegar antes. É que emite a mensagem errada, como ouvi dizer, se o encontro é profissional, dá ar de que estás desesperada e que precisas muito do trabalho; se o encontro é um 'date', podes deixar o rapaz esperar, que é para pensar que desististe à última, mas também não o deixes esperar muito, porque se não quem perde o interesse é ele e sentindo-se idiota retira-se; se é um encontro de amigos, podes sempre dizer que estás na loja ao lado, que te liguem ou se despachem porque senão quem se queixa é a tua conta bancária, e os amigos até se despacham, não por ti, mas curiosos para ver o monte de coisas giras que te fez gastar todo o plafond dum mês.
E depois há outra coisa, quando alguém se atrasava quer fosse 5 minutos, lá estava sempre a sms de desculpas e a transmitir uma nova estimativa do atraso, e quem diz estimativa diz precisão. Eu sabia se estava em tal sítio e se o metro estava atrasado 7' 25'' então fazia cálculos de quantos minutos precisava tendo em conta o nº de pessoas na rua num x dia de semana e a distância da paragem ao local de encontro e estimava mais uns 8' 07'', isto no fundo dava-me uns aproximados 15 minutos, se saísse disparada da estação então ainda podia ganhar os 32''.
Bem claro que para chegar a este nível foram 5 anos de intensa vivência de transportes públicos e inúmeros encontros e em locais variados. E depois também há outras ajudas que posso confessar como por exemplo um site denominado journeyplanner, um site muito útil que nos sugeria de x a z o percurso a fazer utilizando os meios transportes que quiséssemos e que nos fazia uma estimativa do tempo a demorar. Para além disso dizendo a hora que queríamos chegar fazia-nos o processo inverso e apresentava várias alternativas. Aí também já sabia a tolerância para cada tipo de transporte e fazia os cálculos à minha maneira.
Chegando a Lisboa, deparei-me com um cenário diferente. O tempo aqui não é contado aos minutos ou aos segundos mas em funções logarítmicas. Ou seja os 2 mins, nunca são 2 para passarem a ser 7, e os 5 são na verdade 12, os 15, são 24 e os 30 são 47... e assim por diante... E claro isto depois varia de indivíduo para indivíduo ou seja se é x ou y, da velocidade a que anda ou diria a que o carro avança, neste caso. E depois se faz sol as pessoas demoram menos e quando faz chuva demoram mais, ou então mais uma vez dependendo do indivíduo há uns em que esta função é inversa. Uns quando faz sol, sentem-se felizes, ouvem música feliz e o carro anda mais depressa, por outro lado, outros mais optimistas saem de casa em cima da hora, quando de repente se apercebem que como eles milhares de outros se lembrarem de desempoeirarem o carro. Com a chuva o trânsito empanca, como seria de se esperar ou por outro lado, talvez os que vêm de transportes públicos andem mais rápido porque querem fugir à chuva, não querem passar muito tempo na rua e põem-se a mexer de qualquer maneira. E depois ninguém nos avisa de quanto tempo é que os transportes estão atrasados... Ou seja as variáveis à partida parecem-me um pouco mais complexas...
Mas se calhar chegando ao cerne da questão... as pessoas não têm brio nenhum em chegar a horas. Não digo isto com desdém, infelizmente isto é uma atitude colectiva, quantas vezes me sinto idiota em esperar os tais 12, 24, 47 minutos por alguém. Quando chego a horas, timidamente depois confessam-me... pois desculpa, tenho alguma dificuldade em chegar a horas, ENTÃO PORQUE É QUE NÃO ME AVISAS??? Infelizmente o respeito pela pontualidade em Portugal não é nenhum... Uma conferência está marcada para as x hrs, começa 30 mins mais tarde, e claro quando as coisas começam realmente a horas toda a gente acha estranho... Eu passo por isso, todos os dias, dou por mim a desistir de chegar a horas a não ser salvo raras excepções, felizmente ainda as há, nomeadamente em encontros profissionais e com amigos que eu sei que como eu prezam a pontualidade. Se por um acaso não posso chegar à hora precisa então lá vai a sms da praxe com nova estimativa.
Por outro lado tenho outros amigos, com quem já desisti, que ou dou comigo a marcar com eles 30 minutos mais cedo, facto que nem sempre dá bom resultado porque é precisamente no dia em que eles decidem chegar mais cedo e eu é que passo pela atrasada e depois na vez seguinte já não caem na mesma esparrela, e como acham que eu chego 30 mins mais tarde passam eles a fazer os cálculos para chegar àquela hora. Ando a tentar instituir o liga-me quando saíres de casa, assim eu saio também... ou ainda vou-te buscar a casa, ligo-te 10 mins antes a dar o toque, e buzino 3000 vezes para que sintam vergonha da amiga maluca e despacharem-se antes que os vizinhos comecem a atirar ovos...
Agora sei que isto é uma questão cultural, não me cabe a mim decidir o que é melhor ou pior...
Mas posso só pedir uma coisa? Se marcarmos encontro podem apenas dizer-me se são Londres ou Lisboa?