20.8.09

ME?... JANE!... YOU?

Por esta altura já tinha passado uma semana que viajava a solo. Uma pessoa já bem diferente que a Prainha que entrou no avião. Mais confiante, mais desenrascada, mais calma. Em paz julgo até, absolutamente zén.

Mas por esta altura porém voltava de novo à estaca zero. Para a selva sem conhecer ninguém implicaria passar de novo pelo desafio de fazer amigos. Não foi difícil, muito pelo contrário, o contexto era absolutamente familiar e eu pela primeira vez na viagem senti-me completamente relaxada.

Na 'Commonwealth' senti-me parte duma grande família que viajava em conjunto, factor completamente inesperado nesta minha odisseia. Do grupo tenho as melhores memórias e a diferença de idades, de cultura e de backgrounds combinado com o contacto com a natureza fez da selva uma experiência memorável.

Lexie adoptou-me como uma irmã mais velha. Muito senhora de si, embora com os seus modestos 10 anos, falávamos de moda e das férias. Pam e eu rimo-nos ao apercebermo-nos que Lexie descrevia as pessoas pela roupa que usavam e não por características físicas, facto explicado por a mãe ser consultora de cor e moda.

Lisa viajava com os filhos Will e Lexie numa volta ao mundo em 100 dias, uma forma diferente de passar as férias do Verão. Tinham começado há uma semana em São Francisco e agora era a primeira paragem na Ásia. Depois disso a lista era interminável desde a Índia ao Zanzibar e Lexie e Will já tinham histórias para contar.

Pam e Dev contavam-nos curiosidades da selva. Dev, como médico, era conhecido no acampamento, e por isso tinha 'tratamento especial'. No barco íamos sempre um pouco mais longe no rio.

David também se encontrava de férias e não numa grande viagem como parte dos viajantes que conheci. Sempre bem disposto e relaxado, atitude bem australiana, contagiava toda a gente com a sua boa disposição.
- I'm jewish! Silêncio absoluto... Para ser logo bombardeado com milhares de perguntas sobre o assunto, proporcionando conversas bem interessantes na 'commonwealth'. Os avós tinham escapado ao holocausto e a história de família era digna de mais um filme de Spielberg.

Dele lembro-me também de outros episódios que só um aussie podia proporcionar. David determinado no seu conhecimento da fauna selvagem, pôs todo um barco em alvoroço quando viu uma cobra na água: - Look, there's a snake, there!!! com o ar mais confiante deste mundo, para segundos mais tarde vermos o resto do corpo e das patas de pássaro. Ainda hoje Lexie e Will riem-se disso.

Ou então da 'Piss Stop' quando David resolve pedir para parar o barco. - Sorry, I need to go. This sound of water just makes me want to go! Parámos e David e Will saem a correr pela lama desesperados. E nós por outro lado a esbracejar a afastar o segundo barco que se aproximava para ver também a nossa descoberta de 'fauna selvagem'.

Eu por outro lado também dei azo a mais um dos meus episódios prainhescos que foram o delírio dos miúdos. Numa expedição nocturna pela selva, eu seguia atrás, uma natural born Jane, confiante, totalmente equipada com a minha lanterna na cabeça, preparada para enfrentar a bicharada.

Enquanto o guia nos chamava ver um animal meio aranha meio gafanhoto, eu debatia-me com uma libelinha atraída pela luz da minha lanterna que teimava em pousar na minha cara. Nisto a Lexie vendo a minha luta desata-se a rir, para logo começar também a fugir quando a libélula decide ir atrás dela. A bela da libélula apanha o Will no caminho, que por sua vez numa fuga audaciosa, escorrega na lama e cai de quatro.

Agora imaginem o David e a Lisa super interessados no gafanhoto e eu em background como o terceiro adulto da expedição aos pulinhos, tipicamente cena de desenho animado. Escusado será dizer que não vi o ser mais emocionante e estranho da selva e David e Lisa não acharam muita graça por terem sido distraídos deste jeito...

Por esta altura eu e o David tornámo-nos quase inseparáveis, de idades muito próximas e com uma forma muito semelhante de ver a vida, parecia que nos conhecíamos há já algum tempo. Também ele viajante de alma, tinha um grande apreço por África onde tinha nascido e estado até aos 6 anos. Num safari uns anos antes tinha sobrevivido à picada dum escorpião e o animal favorito era o leão, tal como o meu... E verdade seja dito era impossível ninguém se sentir completamente relaxado perante David.

- I'm thinking of doing a home stay around here.
- What's that? perguntava eu. Explicou-me que gostaria de ficar uns dias em casa duma família local, onde aprenderia os costumes e viveria como um malaio. - So I was wondering if you'd like to join me! At least I'll have someone to talk to... Confesso que perante tal proposta, na minha cabeça entre a intensidade dos últimos dias, quase que me saía tal pensamento: - Me? Jane!... You?... Tarzan? Limitei-me a sorrir e a acenar que sim.

3.8.09

THE JUNGLE BOOK

Entrei na carrinha. À minha frente, David, que também viajava sozinho fazia-me as habituais perguntas. Pam ouvindo a nossa conversa não resistiu. Os olhos brilhavam ao ouvir o sotaque australiano de David. Também ela Ozzie, tinha deixado Perth há 30 anos atrás por amor. Casada com Dev, que também viajava connosco, viviam em KK desde então.

Da carrinha passámos para um 4 x 4 para entrar na selva e mais tarde já no rio apanhámos finalmente o barco que nos levaria ao acampamento em pleno Kinabatangan. Aqui separámo-nos em 2 grupos, ou seja, 2 barcos.

Eu, ironicamente, pertencia ao grupo da Commonwealth como lhe chamariam mais tarde. Ainda refutei pela minha nacionalidade mas fui unanimamente aceite pela minha condição de Londrina. Do grupo faziam parte Dev e Pam, Lisa e os filhos, Lexie e William, Maggie e o filho, Saj (amigos de Pam e Dev) e eu. Mais tarde conseguimos 'raptar' o Dave.

Verdade seja dita, com a Commonwealth senti-me mais em casa do que com o resto dos 'Europeus'. Dos 'outros' tenho vagas memórias, um casal de alemães, seres mais entediantes e um grupo de italianos, que à parte de se ouvirem por todo o lado e afugentarem a bicharada, não me suscitaram o menor apreço.

Mas voltando à Selva, imaginem o Pantanal Brasileiro, a Amazónia. Agora tirem-lhe as onças e as piranhas, adicionem-lhe uma macacada e uns elefantes pigmeus e temos Kinabatangan. Os elefantes é quase mito 'selvagem', mas a macacada é um catálogo de colecção. Colecção de Outono: Gibons; Inverno: Orangotangos; Primavera - Proboscis; e Verão - Macaques com cauda e sem cauda.

Ver toda esta fauna no habitat natural, assistir aos saltos acrobáticos dos macacos, os olhares desconfiados para com os invasores e o sorriso deliciado dum orangotango a devorar uma fruta, é qualquer coisa que não tem comparação. Ouvir os gritos da selva, as cigarras e os lagartos, evitarmos razias de libelinhas, vermos pousar as borboletas, escondermo-nos dentro das árvores, vermos crocodilos bebés e macacos a pescar, corujas e pássaros tropicais, redes em árvores gigantes; são tudo memórias que guardo destes 3 dias. Viagens de barco nocturnas em que com holofotes os nossos guias conseguiam distinguir os olhos de anfíbeos no outro lado da margem do rio, outras expedições de barco pelas 5h30 da manhã para ver a alvorada da bicharada.

Se na primeira noite tudo me parecia estranho, 12 hrs depois sentia-me completamente em casa: uma verdadeira 'Jane da Selva'. Incrível como o nosso corpo e mente se adaptam a qualquer condição que à partida nos possa parecer mais adversa. Se a falta de água corrente no princípio fez-me levantar o sobrolho e a casa-de-banho, ainda hoje sorrio ao pensar nos banhos de balde da água do rio e da sensação de frescura e satisfação.

'This is not exactly the Hilton' já anunciava o Uncle Tan no seu website: e sim um colchão no chão, um mosquiteiro e um telhado sobre a cabeça não é propriamente o meu conceito de Hilton também, mas no Hilton não nos deitamos com os pirilampos e acordamos com a natureza, somos surpreendidos por macacos e ouvimos as rãs a saltar no charco.

A Selva ensinou-me muitas coisas, que não só consegui ultrapassar o nível 3 da minha aventura com uma perna às costas, que convivo bem com os bichos e que me dou muito bem na situação de 'back to basics', porque para dizer a verdade, por esta altura nem dei conta da falta da manta nem do saco cama.


p.s. Dedico este post à Rita que deixou Londres e a quem prometi que acabava a minha pequena aventura. A ela como aos demais leitores, que desconfio que a esta altura já estejam reduzidos a 2 alminhas, as minhas desculpas por tão prolongada ausência...
Para compensar imagens para encher o olho e não só...